terça-feira, 26 de setembro de 2006

Letícia no espelho... e o que ela encontrou por lá.

Frio-escuro.
Sentei ao lado de uma senhora já lá pelos seus 80 e muitos anos.
Minha juventude contrastava com a velhice daquela que me olhava sem interesse, com aquele olhar de quem não acha a vida a coisa mais incrível do mundo.
Em dois minutos me contou sua vida.
Tá bom... 2 minutos é exageiro de uma sanguínea incorrigível... mas foi bem rápido.
Mas a vida dela não... tinha sido devagar, como uma terça-feira chuvosa e fatídica que você não aproveita pra transar.

"Pensei. Pensei. E não vivi. Penso até hoje. E nunca vivi."

A pele dela estava desgastada...
Mas não o fora pelos sorrisos, pelos choros.
Mas pelo tempo-vazio devastador.
Estava claro: ela não usara protetor solar.
E nenhum outro dos conselhos que o carinha daquele vídeo legal deu.

Ela estava sem assunto.
Coisa estranha para alguém com 80 e muitos anos.

Puxei assunto: "A sra. já tomou banho de chuva??"
Ela me olhou... como se eu estivesse falando grego.
"Ah... já sim... sempre quando eu estava com meu melhor vestido, e sem nenhum guara-chuvas... humf... malditas chuvas".

Descobri que ela nunca tinha vivido uma grande paixão por ter medo de se entregar.
Descobri que ela nunca tinha tomado 3 bolas de sorvete num calor de 40º C por ter medo de se lambuzar.
Descobri que ela nunca tinha pulado do precipício por medo de cair no chão duro.
Descobri que ela nunca tinha sonhado por medo de acordar.
Descobri que ela nunca tinha se demitido repentinamente por medo de ficar desempregada.
Descobri que ela nunca tinha gravado uma transa por medo de cair na Internet.
Descobri que ela nunca tinha rodado e rodado na salsa por medo de perder o equilíbrio.

Descobri que ela nunca tinha vivido... por medo de morrer.

Mas ela não me disse nada disso.
Eu descobri olhando nos seus olhos vazios.

Foi aí que eu perguntei seu nome...
Ela olhou pra mim e com um terror que tomou conta de mim eu ouvi aquelas palavras:

"Me chamo Letícia..."

Instantes depois um alívio tomou conta de mim.
Morfeu havia me pregado uma peça.

Eu nunca serei ela.


Vou matá-la... e escrever no epitáfio.

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